quarta-feira, dezembro 30, 2009

# 065

"
Tá caindo fulô, tá caindo fulô
Tá caindo fulô, tá caindo fulô

Lá do céu, cá na terra
ô meu deus tá caindo fulô
Lá do céu, cá na terra
ô meu deus tá caindo fulô
"
música popular

(...e que o novo seja mais flor! Ase!)

terça-feira, dezembro 22, 2009

# 064

"
De noite no mato as árvores semelhavam
uma águia acabada de pousar,
um anjo saudando,
um galo perfeitinho,
uma ave grande vista de frente.
De noite no mato, as figuras enraizadas,
prontas a falar ou bater asas.
"

Adélia Prado
em Bagagem

quinta-feira, dezembro 03, 2009

# 063














Juntar óleo a água, pediu esse dom ao sábio do castelo.
E a benzedeira na colher a quebrar quebranto: é sopa!
- quem ensinou foi um louco da multidão, vivia de amor e pão

terça-feira, novembro 24, 2009

# 062

Desenvolvido em broto, o bonsai de gente que nem raiz funda foi capaz de ter. Não é carvalho, nem oliveira, com poucos frutos ainda não sabe se madeira de lei. Não se rega do outro, faz fotossíntese, e projeta sombra afrescalhada que não serve pra descanso. Sufoca-se por domesticação de água regrada em excesso no solo humificado do tamanho de um vaso...

a passarinha lhe desvia a atenção.

Canta bem-te-vi três vezes e semeia longe,
longe de qualquer aflição.

segunda-feira, setembro 14, 2009

# 061

Uma planta que forma coração, com vários fios de trepadeira. Não o de carne que quando visto lembra espeto, um contorno desses de desenho em árvore, sem átrio nem ventrículo, mas com dois nomes dentro. Vivo, vermelho nº46. No caso verde, o da planta ainda sem flor.
- Amor agarradinho é o nome... sabe por que chama assim?
- ... porque é agarradinho.
Respondeu a menina que ainda nem tamanho tinha, mas já quatro anos, uma graduação.
- Esse nome é dela, ou colocaram nela?
- ...
Nem o mestrado respondeu meio metro de provocação.
Nem residência e já doutora do coração.

quinta-feira, setembro 10, 2009

# 060

"
O homem estava sentado sobre uma lata na beira de uma garça. O rio Amazonas passava ao lado. Mas eu queria insistir no caso da rã. Porque me contou aquela uma que ela comandava o rio Amazonas. Falava, em tom sério, que o rio passava nas margens dela. Ora, o que se sabe, pelo bom senso, é que são as rãs que vivem nas margens dos rios. Mas aquela rã contou que estava estabelecida ali desde o começo do mundo. Bem antes do rio fazer leito para passar. E que, portanto, ela tinha a importância de chegar primeiro. Que ela era por todos os motivos primordial. E quem se fez primordial tem o condão das primazias. Portanto era o rio Amazonas que passava por ela. Então, a partir desse raciocínio, ela, a rã, tinha mais importância. Sendo que a importância de uma coisa ou de um ser não é tirada pelo tamanho ou volume do ser, mas pela permanência do ser no lugar. Pela primazia. Por esse viés do primordial é possível dizer então que a pedra é mais importante do que o homem. Por esse viés é que a rã se acha mais importante do que o rio Amazonas. Por esse viés, com certeza, a rã é uma creatura orgulhosa. Dou federação a ela. Assim como dou federação à garça quem teve um homem sentado na beira dela. As garças têm primazia.
"

Manoel de Barros
em Memórias Inventadas

# 059

Psiu, ...quem dita
o caminho do trajeto
é o fim, não o começo... Eu vi!

segunda-feira, agosto 10, 2009

# 058

o que permanece toca e soma, além da pedra esquiva, isso é luz - maior não é a que verde o azul, mas a luz de cor acesa na memória.

Colhi brios e khole-breus, e relembrei poetas vivos que antes já da idade ensinam (a gente acredita na ilusão aos poucos, mas não...)

Essa semana foi uma vida inteira,
hoje, a fase é adulta

respiro, colibrilho

segunda-feira, julho 06, 2009

# 057

"
Uns estão bastante condenados a uma forma de percepção, por toda sua educação, costume, cultura, enfim, 'uma' forma de perceber os acontecimentos; e me parece que há uma possibilidade no cinema - que eu encontrei no cinema e que me diverte - que é a de distorcer esses feitos, essa percepção, e nesta distorção, com sorte, entre o que fez o filme e os espectadores, pode haver uma revelação.
Então o cineasta tenta esse jogo e às vezes a revelação se produz - uma pequena revelação, não digo uma grande verdade, porque não acredito em nenhuma grande verdade - e esse jogo perceptivo é quase que uma pequena iluminação em torno o que nos rodeia.
"

Lucrecia Martel
em entrevista sobre La mujer sin cabeza

quarta-feira, junho 24, 2009

# 056

"
(...)
Eu diria que o humor de gueto, por exemplo, nasce em parte da necessidade de estender o tempo e de ganhar tempo, muitas vezes de maneira vertical.
Se você sabe que tem uma determinada quantidade de tempo em que você pode sobreviver no desespero - seja porque esse é constante ou porque você vai ser enforcado - uma maneira de você estender a sua vida nessas horas é 'poetizar'. E há muita poesia no humor também. Se você assume essa dimensão você pode viver mais e melhor ou, digamos, viver um momento que não pode ser medido pelo tempo.
"

Elia Suleiman
em entrevista sobre The Time That Remains

quinta-feira, junho 11, 2009

# 055

Galo preto cantou três vezes na madrugada.
Deixou uma marca no vento,
fechando a mesa que não coube no espaço

"
Em verdade, em verdade te digo:
não cantará o galo duas vezes esta noite
enquanto não me tiveres três vezes negado
"
Mateus, 26; Lucas, 22; Marcos, 14; João, 13

sábado, junho 06, 2009

# 054

com dificuldade
a criança aprende a dança
baile sem idade

# 053

Uma nuvem de peixes passava, quem guardou guardou, e se a mulher subir é guerra. Saiu do fio de buriti ao som da taquara de ontem, tocou uma árvore forte pra jamais esquecer. Coaraci entrava frio nas folhas, muitos olhos viram aquela memória. Só o guaraná entendeu.

segunda-feira, junho 01, 2009

# 052

O menino orou um sorriso, iluminou o lugar, que se Adélia visse reconheceria como de oração. Sentia ali o simples, porque deus é isso, simples. Tão óbvio poder enxergar que só não vendo pra se ter atenção. O silêncio da roda era tudo o que queria, pra alguém dizer "passou um anjo". Abriu olho na hora e fez-se a luz: janela aberta, dois dentes nascendo. O que existe não é bom nem mau, só permanente e leite.

sexta-feira, maio 08, 2009

# 051

* queria ser raso; mas não, "toda poça é mar profundo"...!
Merda ao fundo! Quero olhar a superfície! 
(no máximo o céu, de refletido... mas "o céu, espaço infinito"...!!) 

quarta-feira, abril 15, 2009

# 050

pesou o encontro
trinta e oito quilos
de saudade e dó

# 049

refaça o osso
sem falar por dois dias
reface, o rosto

sábado, abril 04, 2009

# 048

"
(...) 
Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue.
(...)
"

Riobaldo
em Grande Sertão: Veredas

quarta-feira, março 25, 2009

# 047

Acordou ovo,
rompeu casca e escuro.
Acordou voo!

sábado, fevereiro 28, 2009

# 046

...e tinha um pão doce aberto há muito na mesa. 
Um lado já pegava bolor, mas a outra ponta ainda não. 
E acertei: mordi um lado certo! 
(... podia ser assim sempre, Alice, até o pão acabar...) 

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

# 045

(...a umbanda é uma vida, jurema ciência e o Brasil um achado. Quem aqui não acha, procura: continuar é o melhor conselho)

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

# 044

dentro e fora
muitas vozes, um grito
ruído branco

quarta-feira, janeiro 28, 2009

# 043

Mar cheira melancia é tubarão na praia. E se cair, ainda assim, de joelhinho reza: nossa senhora dos navegantes, das candeias, da conceição da praia. Peça a quem já foi e não subiu por não entender canto mar dito. Vá! E não volte, porque eu não sou mãe, imaculada, esposa fiel, refúgio santo, intemerata, consoladora, virgem puríssima, rainha da paz. Do bom conselho. Mas não quer me ouvir, vá ouvir sereia. Tô cheia desse mar nos olhos! E meu cabelo, que não te enxuga mais...  


... desarmou cabelo a mão de peixe e foi de costas pruma pedra. Ao contrário da sereia, que o admira e espera filho, a muita areia sobre o corpo não levanta mais castelo. Refletiu no mar revolto um céu de nuvens e o fio prata entre os dedos lhe explicou o mundo.

terça-feira, janeiro 20, 2009

# 042

"pai-mãe-filho... se o mundo fosse um kibutz que diluíssse essas figuras, a História não seria a mesma" - comentou a atriz, olhando o coral que ganhou como peso de papel

domingo, janeiro 11, 2009

# 041

vaso não sou eu
nem flor, nem água: eu sou
(eu é o vazio)

sexta-feira, janeiro 09, 2009

# 040

Ía chover e o veneno se espalharia pela terra. Desde manhã, o homem com a máscara borrifando os cantos, a descupinizar a casa. Mas precisa pôr no mato? Eles vêm do terreno, senhora. E o quintal era largo, com terra revolvida, largada até onde galinhas ciscavam o milho de ontem. Porque hoje vai ter veneno e não pode ter comida no chão, o menino falava aos bichos, catando os grãos. Não com o macho velho que cantava de galo e atacava com espora, falava às fêmeas e o pintinho que o acompanhava.
Só tinha um sobrevivente. Dos cinco ovos da poedeira, um rolou pelo desnível e apodreceu. Os outros quatro nasceram, mas no desespero da chuva de início do ano, três caíram numa vala que juntava poça. Não sabiam nadar como a pata do Natal, e a galinha mãe, num ato mais automático que o de ciscar, pulou em cima pra proteger. Os pintinhos tentaram ali abrir um guarda-chuva num mesmo movimento, mas escorregaram na lama todos e ela os pisoteou com as patas. Foi tudo num raio, a água encheu e eles transboradaram na cova. Tá vendo, se seu pai tivesse arrumado o quintal, não teria nada disso. O menino chorou, de tristeza e raiva, da chuva e do pai que não preparou o terreno. Decidiu não fazer nunca o mesmo: criaria o que sobrou como se fosse um filho.
Dez anos e era pai. O que sobrou foi o marrom, o único que não parecia ser da que chocou, mas sua generosidade em dar calor a todo ovo que se apresentava a fez criá-lo até grandinho. Depois do incidente, o pequeno passou a dar mais milho num conforto do luto e, por comerem mais, achou mesmo que sentiam a perda. O marrom se consolou tanto em grãos que cresceu rápido, já do tamanho do pé adotivo. Você vai ficar forte, que nem eu. E o acarinhava na cabeça quando ele o permitia, numa falha breve do instinto pela criação adquirida.
Mas o instinto é sempre mais forte e no primeiro trovão foi logo se esconder num canto. Não pode ficar aí. Pegou o engradado para guardá-lo, porque tentou na mão mas não conseguiu nada além da fuga. Entra aí, levantou a portinhola de metal. Outro trovão, o pintinho se assustou. Pulou mais, encurralado: paredes, menino e nuvens. Tá com veneno o chão, empurrou o engradado pra que ele entrasse forçosamente no vão livre que a portinhola suspensa oferecia. Entrou desesperado e, no estabanar dos novos, deixou cair a porta sobre a cabeça. O miúdo chocado se paralizou. Um corpo marrom de cabeça pênsil se debatia num engradado. NÃO! Não entendeu aquele momento e não reconhecia o fato. Não! O corpo marrom no engradado. Tirou o pintinho que se estrebuchava e tentou repor a cabeça no lugar. Mas estava longe, fora de si, e tudo o que fazia com o corpo era em vão.
A chuva começou a pingar e os cupins saíam da terra. O veneno era forte e já apresentava efeito em alguns pontos. A vida é curta pra quem deseja viver, e na luta, demoraram a se entregar. O menino continuava observando, pequena ave a se mexer, galinho de briga. E veio a água com tudo e soluçou até perder ar. Não sabia que podia matar, descobriu. Filho? Filho, que foi?! Eu ía guardar, mas eu matei! A ave parou e o pai o pôs sob o braço, protegendo da chuva, sem entender direito. O filho só queria isso: proteção, da chuva, do veneno, a proteção do pai. O resto foi sem querer. Descobriu que podia matar e quis se proteger disso também.

quinta-feira, janeiro 01, 2009

# 039

Agora, nova norma entre essas letras,
mas a língua é a mesma aqui no espaço.
É português o vaso; grego ou chinês,
o importante é o vazio.

(... descrever como o que permite do floreio à água?
Por isso como de tudo, de todos mestres do passado)


"
Esta de áureos relevos, trabalhada 
De divas mãos, brilhante copa, um dia, 
Já de aos deuses servir como cansada, 
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.

Era o poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada, 
A taça amiga aos dedos seus tinia, 
Toda de roxas pétalas colmada.

Depois... Mas, o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, 

Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas, 
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
"
Alberto de Oliveira


"

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta, 
As sensações renascem de si mesmas sem repouso, 
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras! 
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!

Abraço no meu leito as milhores palavras, 
E os suspiros que dou são violinos alheios; 
Eu piso a terra como quem descobre a furto 
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta, 
Mas um dia afinal eu toparei comigo... 
Tenhamos paciência, andorinhas curtas, 
Só o esquecimento é que condensa, 
E então minha alma servirá de abrigo.
"
Mário de Andrade