quinta-feira, julho 31, 2014

# 094

Contou até onze mas depois lhe vinha apenas uma dúzia. Poderia seguir com treze, catorze, ao infinito, parou no onze com uma dúzia. Apenas a palavra, sem número... o que vem antes? E lembrou de culturas tribais que compunham frases inteiras para exprimir um número. A palavra antes de tudo, o verbo no início. Balbuciava baixo, contando as crianças enquanto apertava o balão. Elas o olhavam como quem contava as voltas numa tabuada do olhar pelos gomos da bexiga. Um ábaco a bexiga. Duas vezes seis. Era esse o número de voltas a dar. Meia dúzia de crianças no salão. O palhaço sabia o que era o seu dobro, só não se lembrava do número, a forma escrita arábica, e dobrava a comprida bexiga até formar a cabeça de um cão. Definia um cachorro amarelo em suas mãos com ar da bomba de uma bicicleta pois dessa vez não trouxe o cilindro de hélio. Esqueceu também... como? A mulher que o contratou o olhava impaciente ao perguntar. As bexigas não voavam ao teto como prometido, restavam ao chão num canil de látex com uma só flor. Uma margarida de borracha. Sabia fazê-la de cabo verde e pétalas de outra cor, corola colorida. Corolida. Achava graça no trocadilho infame ao ensinar a margarida de bexiga. Mas ninguém riu. Não entendiam de palavras e faltou gás hélio pra dizer isso às crianças em outra voz. Quantos cachorros fizemos? Sete, contaram no chão. Faltariam cinco e então lhe responderiam desenhando o número. Fez a flor antes para se acalmar, estava aflito com a amnésia pontual. Seria algo no cérebro, vascular. O branco de um número. Seu pai teve às voltas dessa mesma idade um derrame, na matemática genética. Distraiu-se com a flor corolida. Deu-a à mulher que o contratou pelo catálogo. Ela segurou por um tempo, fez que a cheirava como se entrando no espírito do jogo pelo filho, depois jogou ao chão. O salão de jogos e festas, um cubículo do prédio com paredes de vidro. Um aquário em mar de balões e cães de borracha. Todos ao chão, só ele de pé a repetir mecanicamente o movimento. E a contratante numa cadeira, ao lado da mesa de doces. As crianças queriam o cão. Repetiu mais uma vez o cachorro, ao ponto da mulher duvidar se ele sabia fazer algo além daquilo. Tinha errado: O senhor é palhaço? Sim. Mas também faz mágica? Posso fazer. Um pacote. Comprou bolo de morango na padaria, aumentou os salgadinhos. Economizara um tanto que nem sabia. Qual valor de um mágico, mãe? Vai ter palhaço, filho. Eu quero um mágico. E resolveu assim o presente do menino, com mágica de palhaço, o sumiço de um número.

A festa de aniversário está triste, pensou o aniversariante. Estranha, num problema bobo de matemática infantil: não tinha crianças. Algumas poucas no meio de outros adultos. Era o meio de julho, o meio das férias da escola, do clube. O meio de tudo. Ninguém viria pois, viajando. Ninguém se lembra no meio de outra ação. Até ele mesmo viajara com sua mãe das outras vezes. Mas esse ano pediu uma festa, como as das outras crianças da escola. Uma festa com um mágico era o que queria, como os que passavam na televisão, com lábios pintados de preto. Os mágicos, que apareciam até em programas de culinária, viriam ao seu aniversário. Uma ilusão. O que lhe veio foi um palhaço, contratado pela mãe num pacote barato. De batom vermelho e borrado. E as crianças da escola, nenhuma. Conjunto vazio. Meia dúzia de vizinhos por conta da comida de graça, nem amigos de verdade. Ilusionistas. O palhaço ainda chegou atrasado, todo apressado. Pingava gotas brancas do rosto. Tinha se maquiado no carro, mas já suando de nervoso. Tinha na noite anterior saído com os amigos do grupo do teatro vocacional e esqueceu que no dia seguinte à tarde tinha que animar uma festinha. A mãe o contratou com esse diminutivo. Uma festinha simples, sem ter muito como pagar. O diminutivo adequava o pagamento. Queria continuar na escola de teatro de algum jeito, aceitava os bicos para pagar o curso. Um dia faria a mágica de comer e viver do que escolheu, profetizou. Foi essa verdade que disse à mulher ao ser questionado. Não respondeu exatamente assim, tão pleno e claro, mas que poderia fazer tal mágica, por essa perspectiva. Nada além. Sem truque. Os palhaços são realistas, não mentiu ao telefone. No salão do prédio a mulher que o contratou o esperava sem saber dessa integridade. Estava toda arrumada, mas cheirando a suor. Íntegra também. Tinha enfeitado o aquário com balões grudados nos cantos e nas paredes, mas que aos poucos foram caindo, como as gotas da pele. Ela tinha maquiado a sobrancelha de modo permanente para não se borrar mais, pseudo-tatuagem de salão estético, uma curva marrom sobre os olhos. Sempre triste agora. Não tinha pêlos a definir outra expressão. Olhava para ela sem conseguir disfarçar, a sobrancelha estava torta. E ela o inquiria pela maquiagem, desfeita. O menino olhou o encontro dos dois, desejou sumir. Queria uma mágica, sumir dali. Mas era seu aniversário. Não se sabia naquele instante qual a pior máscara no rosto.

O palhaço era um menino. Tinha mais de vinte anos, mas era um menino, no jeito e na estrutura, não tinha se desenvolvido direito. O achavam burro por isso, como se retardado de algum modo. Um amigo falou isso a ele uma vez. Não tinha amigos, mas esse o xingou. Gerou vínculo assim. Meu amigo, pensou. De fato um bobo. Lembrou dos bobos de Goiás que seu pai lhe contava, filho de casamento entre primos, consangüíneos, sempre nascia um com alguma idiotia. Não serviam a mais nada além de trabalhos desimportantes e repetitivos. Lhe trouxe um bobo pra ajudar no quintal. A casa em reforma do pai. Se emprestavam os bobos na época, para carregar pedras, construir calçadas. Alguns nasciam mudos, outras surdas, e eram por isso ainda mais servis. Serviam ao descarrego da violência cotidiana, na dose que cabe a todo dia. E a noite o cú. Bobo ou boba, se serviam dos seus cus. Não teriam depois como reclamar, não gerariam filhos. E eram todos sem voz, mesmo que não fosse mudo. Mesmo os que sabiam e não eram bobos, nada falavam. Não se ouvia. Mesmo se não fosse noite. De dia, atrás do muro construído, perto do tanque em reforma, depois da marmita que ela trazia. A boba. Era isso junto ao prato de comida. Uma sobrevivência. Não é melhor viver? Não é melhor pensar. Por isso ainda mais bobo se ficava e se seguia. Seguiam todos, não só em Goiás. Todos os dias, no mundo. Não reparava se o filho era também mais um. Não via o sangue. Não lembrava se a mulher com quem deitou era uma prima. E o filho se dizia artista, podendo ser tudo então, o que o torto permitia. Até filho de uma prima. Não sou bobo, pai, sou artista. Um palhaço, com namorada. Não dava o cú.

Tinha rompido com a namorada antes da festa. E foi beber com os amigos. Colegas, do curso de teatro. Todos atuam. Bebeu demais e queria traí-la. Mas não teria mais como, ela terminou antes. Era esperta, mais que ele. Rompeu. Apenas bebeu então, pra não pensar mais. E acordou tarde no dia da festa. Viu a mulher que o contratou, daria festinha ainda. Interpretava pelo sexo essa palavra, o diminutivo. Canastrão. Assim ouviu a voz ao telefone. Era marcada do tempo, tinha um filho que fazia hoje oito anos. Mas daria. Cheirando a suor. Entre os dois seios o perfume. Levemente erguido. Chegou assim, nessa malícia adulta totalmente em descompasso ao ambiente de crianças. Brigadeiros, beijinhos. Beijinhos. A linguagem teria que ser outra, não entenderiam trocadilho. Todos bobos para ele, naquele momento. E imaginou a sodomia, levemente excitado, como se enchesse uma bexiga a bomba. Uma camisinha. Se assustou com a pequenez do pensamento e o próprio corpo onde já estava. Da bexiga à mãe, depois ao filho. A passar a violência do dia-a-dia na sua mente atrás da máscara. Atrás da calça. Atrás do rabo. Como peixes que se comem num aquário para sobreviver. Um peixe humano. Gotejando branco. Não lembrou o que fazia. Era um cachorro. Desimportante, repetitivo. Mediu o rosto com a própria mão a imaginar o estrago do suor na face, enxugando as extremidades. Em vergonha, sem sustentar a cena. Repetiu para se concentrar em alguma coisa. Pensou em números. As crianças o viam tocar as bordas da face como se tomasse alguma medida para a escultura. Como no tempo antigo, nas medidas de construção judaica. Um côvado, um palmo. Um rosto. O palhaço judeu, a judiar bexigas. Pensava no absurdo a que sua mente o levava e resolveu contar as voltas da bexiga, formando a imagem de números em sua cabeça. Nove, dez, onze... uma dúzia. Não sabia mais formar o doze. Esqueceu. Formava apenas a palavra e o cachorro em suas mãos. Um dia triste. Queria um coágulo que lhe tapasse essa lembrança e não o número. Quando foi ver, duas cabeças no mesmo cão. Contou errado. O cão coxo, sem pernas. Piada do inferno. Cérebro em falha... ou Cérbero? O cão solto da mitologia, mais antigo que os judeus, com duas cabeças apenas, um trocadilho. O homem sempre o mesmo, a perder-se nisso. Desimportante e repetindo... A mulher se indignou.

O ar pesado descia os ombros e os balões. O pulmão é também uma bexiga. Quanto mais respirava mais se contaminava e o que exalava não era alívio. Até onde aquele dia? Queria esvaziar do ar o ambiente. Mas enchia balões. E estavam todos ali, no meio de tudo. Na volta longa em torno do Sol junto ao menino, a volta no eixo da Terra em pleno julho. Em pleno meio. O meio elástico que envolve todo mundo, ar viciado e todos ali, no meio de tudo, uma bexiga. Estourou. As crianças viram o relógio atrás do palhaço e pediram algumas para irem embora. Fica, vai ter bolo, a mãe falava, tudo o que o menino não queria. Vamos colocar uma música. Era essa a deixa ao palhaço na gravidade da voz, sem hélio. Fim do número de mágica que não vinha. Não mais número, nem mais festa, nem palavra lhe servia. Ele se virou e piscando viu atrás de si um relógio pendurado. O 12. Ali o início e o fim de tudo, o devir de toda hora, todo minuto. Da volta menos longa até um dia. O doze ao alto, não a dúzia. Ficou paralisado ao ver o número, como o cachorro deformado em suas mãos. O número bonito que não vinha e veio todo borrado de um derrame, a máscara desfeita que caía. O palhaço retardado ao fim de tudo. A mãe no som, desligada, não mais ouvia. E o presente do menino a realidade, com mais salgado à mesa até o outro dia.

domingo, julho 27, 2014

# 093

Na foto estaria toda a família. O pai não queria aparecer junto porque estava muito magro, desfigurado pela doença, um outro homem na cabeça dele. Não queria deixar aquele corpo como registro. Mas não se esquivou assim ao olhar o rosto da filha. Disse que ainda estava de pijama, descabelado, que tinha antes que cuidar do papagaio. Era manhã de domingo e a mãe sabia que aquela ação iria pelo menos até o almoço. Depois o cansaço da sesta, a espera da sobremesa, o início do jogo, o final da Copa, um café ao escurecer, sem luz. Uma recusa completa. Sabia ler o código, o que o papagaio queria dizer, todo o tempo que levaria para limpar a gaiola do bicho e a cadeia de ações. A sua filha pegou essa máquina emprestada na escola só para tirar essa foto. Mentira, pensou. A filha também, mas concordou com a mãe ficando em silêncio, para convencer o velho. Não queria mentir a ele, ainda mais agora, tão doente. Acreditava que ele estava num ponto do sofrimento do corpo que passava a perceber melhor a verdade, como se a doença oferecesse isso, o atrás da máscara. Quanto mais grave, mais clara a visão. Clarividente. Ao mesmo tempo ele não discordou de nada, ficou em silêncio também, pois nunca tinha visto a filha com uma câmera reflex na mão e com uma bobina de filme preto e branco. Uma câmera com filme, reparou. Muito esforço fora do tempo de adolescente para uma manhã de domingo. Talvez seja verdade. Viu o esforço da filha em colocar o filme sem velar.

A máquina era da vizinha, tinha acabado de emprestar. Seria para tirar-lhe uma foto antes que partisse, terminou de dizer. Não quis dizer morrer à vizinha tão nova, disse antes que partisse como quem viaja e não volta, como quem deixa fotos e está sempre presente ao ser evocado na imagem. Mas a vizinha entendeu que o verbo usado se referia ao pai da pedinte, pois numa fração do instinto sentiu que o verbo partir poderia se referir a qualquer um ali, até mesmo a elas que se olhavam na porta. Não a convidou a entrar, deu-lhe a câmera emprestada. Só tinha aquela, com filme preto e branco. O pai não deixaria emprestar as digitais. Era bem mais nova a vizinha, menos de dez anos, idade em que se emprestam as coisas dos outros sem se perceber o real valor de cada objeto. As câmeras digitais eram apenas mais novas, não melhores, nem mais caras. Pensou até em não emprestar nada quando a amiga lhe pediu, mas todos ali na rua sabiam que ela era a filha do fotógrafo. As fotos taggeadas, a frase "minha pequena modelo" como nome de pasta entre os álbuns do perfil do pai. Não tinha como negar, era uma menina com um book, ninguém tinha uma imagem tão profissional quanto a dela entre os seus amigos da rede social. Em algumas nem parecia tão criança, madura nos instantes congelados. Mas a vizinha lhe veio assim de supetão e a pegou em movimento, desarmada e completamente jovem. Não sabia o que era câncer ainda, e isso a abalou. Empresto a máquina sim, vou ver o que meu pai tem. Subiu a escada do sobrado e foi procurar uma câmera enquanto lembrava o nome da amiga. Laura, lembrou depois, dos posts do Facebook, que não era da escola mas vizinha, a do pai com câncer. Pensava num caranguejo sempre que lhe diziam essa palavra, pois assim lhe foi apresentada desde que nasceu em julho. Não é isso, é uma doença, como se espalhasse no corpo um veneno de escorpião. Eu sei que quer dizer mais de uma coisa essa palavra. Interrompeu-a porque a imagem de um escorpião não a ajudaria a entender agora, formaria ainda mais o abstrato na cabeça, como um mapa astral de Susan Miller, ou Horácio Quiroga lhe predizendo uma má sorte no horóscopo do dia. Se baterem na sua porta, é porque você pode atender, Câncer, 13 de julho de 2014. 
O irmão mais velho da família estava na feira a comprar melão. O pai doente tinha lhe pedido em segredo isso na noite anterior. Estava com desejo de melão. Achou absurda essa revelação pelo modo que lhe chamou como filho. Henrique, Henrique. A mãe gritando seu nome, enciumada, e depois dizendo que o pai queria lhe falar a sós no quarto. Foi fazer chá enquanto eles conversariam, mas já iria trazer. Traçou assim um tempo, orquestrando ao mínimo as revelações possíveis. Homem a homem, ficaram os dois no quarto sobre a cama. Ele é o mais velho, sabia já a senha das contas, ajudava em todas as questões dos Bancos, todos os segredos se lhe podiam confiar. Que este homem ainda tem a dizer? Quero melão, não o amarelo, o japonês, aquele rugoso. O filho o olhou sem entender. Não fala pra sua mãe, ela vai achar que é frescura. O filho concordou com a cabeça como quem recebe um trote surrealista do além disfarçado em trajes de dia-a-dia. De algum modo isso o fez perceber o momento, mais real e verdadeiro, como o dom espalhado da doença que revela por delírio. A pele do seu pai estava amarelada e lisa, o melão não, não poderia. E o mais óbvio, eram japoneses. Sansei, na verdade. O pai nissei. De todo modo, japoneses, como o melão assim vendido na feira, mas plantado nessa terra. O leito da cama em febre lhe rememorava as origens, pensou, como se aquilo viesse naturalmente por estar perto do fim. Lembrou do altar de incenso na sala com o nome da família em kanji, o pai desenhou os ideogramas, que ele, por ser mais velho, seria obrigado a cuidar. O primogênito. Herdou o cabelo e a voz, agora as orações e as oferendas de alimento em culto a antepassados. Pensou tudo aquilo em confusão, ouvindo o pai tossir seco e respirar com dificuldade. A doença no pulmão, do tamanho de uma fruta. Tentou organizar assim os pensamentos para não esquecer da memória ali formada, como um feirante que empilha as pêras para elas não cairem de uma vez, uma narrativa de cuidado, que as frutas ensinam sem frescura. A mãe entrou com o chá. Serviu-os em silêncio. Todos, como numa cerimônia de chá verde, mas era camomila.

A mãe ajeitava as flores do quintal para compor o quadro da filha. Era domingo, mas estava acordada desde cedo, desperta há muito tempo, sempre com energia. Sabia que cabia às mulheres da família trazer graça ao cotidiano. Lembrava dos aniversários, fazia surpresas, escondia ovos na Páscoa. Percebeu que ensinou isso a filha e sorriu quando viu a menina com aquele tamanho de máquina para tirar uma foto de todos, antes mesmo do café. A graça não seria algo mínimo, pois é tudo o que nos mais revela. Um insuflo de vida para qualquer instante que se congele. E aquele tamanho de câmera, com película sem cores, a fazia ver que a filha entendia isso, em plenitude. Todos tinham celular com foto, mas ela buscou uma câmera. Preto e branco. Percebeu que a filha adolescente não era mais menina, mas mulher. Não pelo corpo, que já estava mudado e menstruado antes mesmo do pai começar a ficar pálido, mas em espírito. E material. Como as sutis gradações da prata quando imprimem os cristais no papel de fotografia, para então desenhar contornos, em tons sutis de cinza que nunca chegam ao preto puro, e revelam assim melhor a idade. Uma maturação perceber tudo isso, pensou. Você vai tirar essa foto, vou pegar um paletó pra você. E subiu ao quarto para pegar um paletó ao marido. Intuiu que ele não queria aparecer daquele jeito na foto, mas o paletó com ombreiras lhe resgataria o corpo do passado. Escolheu o azul mais claro, chegou a pensar que ficaria melhor numa foto em preto e branco.

Não vou tirar foto agora, o Henrique nem chegou. Como não, pai, ele tá na cozinha. Tinha acabado de chegar. De fato não o ouvira, de tanto que o papagaio lhe cantava na orelha o hino nacional. Deixou o pássaro no poleiro e foi à porta da cozinha, viu o filho colocando melões na fruteira. Sorriu. Sorriu ainda mais quando viu sua esposa lhe trazendo um paletó, toda contente. A mesma graça de sempre. Viu ali uma família num domingo de manhã, e ele sem ter mais como resistir. O corpo já estava mais livre. Colocou o paletó, e pediu para tirarem a foto na parte de fora da casa, debaixo do papagaio. Vai parecer um índio de cocar, pai. A luz ali é melhor. Foram todos pra fora. Henrique sem entender seguiu, já tendo aceito os trotes da vida. A mãe chegou a colocar uma flor no cabelo. O filho se agachou. Laura, tensa com os recursos mirou no visor esperando a agulha do fotômetro. Você sabe mexer nisso? Cala a boca, disse ao irmão. O pai riu. A mãe reanimou a pose de todos, a não deslegitimar a filha. Uma foto importante da família. Até o papagaio em silêncio. Só o pai de paletó e pijama.