quinta-feira, agosto 21, 2008

# 028

Costela de porco, batata, couve e arroz. Em camadas, sendo que a carne se cozinha antes três vezes para dessalgar. Quando se abre a panela, o arroz parece quebrado, numa nata que cobre. E o tempero é a couve. Sirva o primeiro prato e deixe na mesa um pouco para esfriar. Reze um pão nosso de cada dia, porque é assim que ela gostava, e deixe como prato ofertado (os mais novos comem com queijo, parmesão ralado, mas ela não punha). Quando tomar, já no fim, não perceberá mais calor. Também, dentadura não permite tanta sensibilidade, mas queima um pouco por baixo, na camada da carne. Não a costela, que expurgava no peito e dava aflição na hora do banho, mas na boca, onde seria o céu. E que outro céu senão comer o que gosta? Daqui a pouco vou comer flor, dizia como argumento quando um doce proibido. E por mais que fosse velha, tudo isso era novo. A costela até que não, pois ali foi o primeiro susto de um buraco que não um furúnculo - e na receita vinha escrito isso, que não era (mas ela achava que era). Vinha também um refresco, um suco de se tomar na veia. Às vezes era branco, quase igual chá. Há quem goste de chá depois do caldo, porque ajuda a digerir, e é tanta gordura que é bom mesmo tomar algo. Dá pra ver a gordura no prato. Dava pra ver na borda, quando puxava a pele pra limpar na terceira água. E a água salgada, jogue fora. Só que esfregue os olhos discretamente, depois, pra ninguém ver. Ou pode enxugar num pano de prato - mas é detalhe, nem todos o fazem. E tem ainda a couve: cortada em fios. Fininha, cabelo de anjo, se enfeita melhor assim. Só tem que lavar antes, pra tirar a sujeira. E não precisa tanto, viu?, porque a couve é aberta e o bicho só anda por cima da folha, fácil de ver. Difícil é repolho, que é fechado e a larva come por dentro. Não vai repolho na sopa, mas aprenda com ele, pra não se fechar demais. A vó não sabia mais disso e o colocava às vezes. Faça o sinal da cruz e sinta o aroma de tudo, dos ossos quebrados aos cabelos verdes. Sente? Não é uma sopa, mas um ancestral. Rende a toda a família, em quatro porções fundas.

quarta-feira, agosto 06, 2008

# 027

Ía esculpir, ali, algo que se apagou.
E por perder no vento o que se pretendia pedra,
por um momento largou o formão, em silêncio branco.