Ele disse:
“Você não pode nadar em rio. Toda água traz um destino e o seu será abreviado se não ouvir o que ela diz: a morte te encontrará num rio antes do tempo.”
O sacerdote sabia interpretar os reflexos e os desenhos na água. É possível prever o futuro pelo que se reflete num rio. “A água de um rio é o próprio movimento do tempo, um oráculo”, disse ele
Se a água é turva ou clara, se é violenta, se o rio corre mais rápido, se explodem bolhas na superfície. “É de boa sorte quando um peixe pula durante a previsão”, ele disse. Hoje é difícil haver previsão de rio nessa cidade.
Eram muitas oferendas, sem uma lógica clara. O que cada um oferta ao rio, o rio da aldeia, é matéria de outra poesia. Eu sempre tive fobia de entrar no Tietê, de não enxergar nada... hoje estranho rio que tenha visibilidade.
São Paulo, 22 horas e 19 minutos, trânsito livre na marginal. Carta do Ouvinte:
"Que futuro se observa em água tão pesada e oleosa? Já vi nessa água mala com dinheiro, jacaré-de-papo-amarelo, mulher dentro de mala... o rio é só presente, e traz em si a morte e a ruína antes do tempo.
Passado e futuro formam juntos uma matéria líquida. Me perguntam se eu mergulho para reviver o Tietê do passado, como se perguntassem se eu mergulho para reencontrar um rio no futuro...”
Contou o mito da rã. A rã achava que o rio passava à margem dela. E ela estava sentada ali (na margem) desde o começo do mundo, bem antes do rio fazer leito para passar. A rã acreditava que tinha a importância de chegar primeiro, assim como as garças que tiveram um homem sentado à sua beira.
O homem cria pra si esse senso da primazia. Tudo é o homem, sem humanismo. O rio se torna marginal, à margem dos carros, à margem do que construímos, sem acesso permitido.
Que imagem diz futuro?...
...a água deu um espelho para refletir, mas o que refletimos?